Outro dia, durante uma aula de psicologia, fui provocado a dizer quem era o meu artista preferido e o porquê dessa predileção. Automaticamente respondi que eu gostava do Renato Russo, por que as composições dele pareciam fotografias dos vários momentos que regem o estado de espírito de um ser humano. Renato e a Legião Urbana conseguem explicar com uma precisão quase que milimétrica os extremos e os instintos, o que faz com que as pessoas se identifiquem com as suas canções. Enquanto passeava pelas músicas, me veio a recorrente impressão de que algumas letras, de tão viscerais, chegam a ser melancólicas (não que isso seja ruim), o que me levou a fazer um questionamento à professora: por que os artistas se deprimem? A resposta foi direta e objetiva: -Por que os artistas são mais sensíveis do que as pessoas comuns.
Quando fiz essa pergunta não pensei apenas no Renato, obviamente, mas também no Cazuza, Cássia Eller, Chorão e outros, até internacionais. E percebi uma coisa muito comum entre a maioria desses artistas: o inconformismo. Renato, por exemplo, exprime esse sentimento quando, numa crítica pesada, pergunta "Que País É Este?", fazendo uma analogia da situação das favelas à corrupção na política. Cazuza também, na canção "Ideologia", se mostra frustrado com a sociedade em que vive quando diz: "Os meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder." Os artistas se sentem muito mais incomodados com a situação social do que a maioria das pessoas, principalmente por que a arte tem a função de intervir, de provocar, e o sujeito, enquanto representante da arte, sente com mais veemência as mazelas com as quais convive. Se nós observamos o quanto a produção artística foi intensa nos períodos de revoluções e conflitos, como a Ditadura Militar, não restarão dúvidas disso.
Outra característica peculiar dos artistas é o sentimentalismo (novamente: não que isso seja algo ruim). No caso do Renato, por exemplo, dizem que certa vez ele cortou os pulsos por conta de uma rejeição amorosa, daí o trecho "eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda. Assim pude trazer você de volta pra mim", da música "Índios". O Cazuza, também, numa das suas mais belas canções, Codinome Beija-Flor, parece amorosamente desiludido.
Também percebi que os artistas parecem se sentir estranhos do ponto de vista contextual da sociedade. Eles não falam como a maioria das pessoas, não se vestem como a maioria das pessoas, não se comportam como a maioria das pessoas e, portanto, não se identificam com a maioria das pessoas. A Cássia Eller, por exemplo, é enfática ao pedir a Deus "um pouco de malandragem", o que é considerado uma heresia no meio religioso. O Renato, por sua vez, é categórico quando diz: "tenho quase certeza que não sou daqui." O Chorão, na sua característica rebeldia manda um FODA-SE em caps look quando canta: "Eu odeio gente chique, eu não uso sapato." Raul Seixas, maluco assumido, de tão estranho, criou uma "Sociedade Alternativa" junto com o escritor Paulo Coelho.
É comum ver as pessoas criticando alguns artistas, principalmente quando vêm a público notícias de envolvimento com drogas e outras questões polêmicas. Porém imagine como deve ser difícil lhe dar com esse turbilhão de sensações. Não tenho o conhecimento técnico de um psicólogo, mas também sou artista e sei o quanto é complicado ver a sociedade como observador, analisar as suas fragilidades e tentar transformá-la com a sua arte e o quanto é frustrante quando isso não dá certo. Portanto, valorize a arte, valorize os artistas enquanto eles ainda estão aqui, afinal são eles os profetas deste tempo.