Em tempos de divisão, os espaços são quase que demarcados, e nós enfrentamos um organismo gigantesco, que estende os seus tentáculos e, quase sempre, se apropria dos espaços que nos pertencem, enquanto classe inferior, menosprezada e marginalizada. É combater ou ser devorado pelo predador que está logo acima na pirâmide alimentar do sistema.
O evangelho diz que haverá um tempo em que o trigo e o joio serão separados. No nosso meio não é diferente. Haverá quem seja trigo e haverá quem seja joio. Haverão poetas e haverão profetas. E existem diferenças gritantes entre um e outro, apesar da fonética ser muito parecida. O poeta não é necessariamente profeta e vice-versa.
Os poetas são artistas natos, românticos ou não, já que há poetas que não aprenderam a amar, mas podem fazer da sua rima subjetiva, cabendo interpretações, podendo chegar até com uma certa suavidade, mesmo quando ela é crítica.
Posso utilizar como exemplo algumas produções dos poetas da luta contra a Ditadura Militar. Quando Chico Buarque e Gilberto Gil fazem uma analogia entre o "Cálice" (taça na qual se servia o vinho) da última ceia de Jesus Cristo e o "Cale-se" do verbo calar-se, reverberando um grito contra o Regime, porém de uma forma subjetiva, onde cabiam argumentos, ambiguidade e interpretação.
Os profetas são diferentes. Os profetas são diretos. Eles não amaciam a carne antes de cortá-la, eles simplesmente a cortam, quando acham necessário. Para este exemplo, usarei o último profeta da linhagem do antigo testamento: João Batista. A bíblia narra que num momento no qual João trazia uma mensagem poderosíssima e contundente, às margens do Rio Jordão, os Fariseus (seita Judia que se opunha ao cristianismo) chegaram em sua comitiva perguntando quem era aquele homem. -Quem tu és - diziam eles. Não satisfeitos com o silêncio de João, indagavam: -És o profeta ou o Messias? João, despido de qualquer subjetividade ou outra coisa que pudesse deixar brechas para que se descaracterizasse a sua mensagem responde: -Eu sou a voz que clama no deserto, e digo: endireitai os seus caminhos. Na mensagem do profeta não cabe interpretações, por que ela é clara e concreta, doa a quem doer.
Outra característica que os difere: os poetas podem exilar-se, os profetas jamais poderão. Afinal, "como ouvirão se não há que pregue?" Mais uma vez, a comparação será entre Chico e João. Chico, poeta da música, permitiu-se exílio no exterior para fugir da opressão do Regime Militar, assim como vários artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil. João Batista não podia se distanciar do que sempre esteve predestinado a fazer. Ele se colocava a serviço do que acreditava, a fim de ser uma voz livre, não um eco repetidor ou uma ressonância, pregando a redenção das veredas tortuosas. Foi perseguido, capturado e decapitado. Morreu pela causa.
Eu não me atreveria a sobrepor o profeta em relação ao poeta, ainda mais num tempo onde ambos são necessários como agentes interventores dessa sociedade desigual e opressora, o que nos remete muito ao tempo destes homens. Porém, quando temos que partir para o enfrentar estes males, estejamos cientes de que o êxito só se dará pela insistência, ocupação e, posteriormente, a resistência, mas a nossa arma não é a truculência, já que reproduziríamos as mesmas práticas do opressor. Mas iremos "violentamente pacíficos", como disse o mestre do subúrbio de Salvador, MC Leo Carlos. Munidos da ideologia pertinente aos profetas e da intelectualidade peculiar dos poetas, e, nesse momento, feliz de quem tiver a ousadia de fazer do seu poema profecia ou profetizar com ritmo e poesia.
Christian de Jesus é músico, estuda história na Universidade Estadual de Santa Cruz e escreve para o blog Internauta Alternativo